terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Stay

As coisas aconteceram muito rápido para uma banda brasileira. Crescemos. Já nem consigo lembrar direito de quando éramos apenas cinco sonhadores tentando alcançar o sucesso! Mas eu sabia que era apenas uma questão de tempo até que alguém nos notasse. E foi o que aconteceu. Depois de alguns anos de batalha, finalmente conseguimos uma gravadora. E uma das grandes! A maior do país, com várias filiais ao redor do mundo. Tudo parecia ter se resolvido. Primeiro, assim que assinamos com a gravadora, fizemos uns programas de televisão no Brasil e uma turnê para divulgar o nosso disco recém-lançado. Uma turnê pelo interior do país, claro.
Ficamos assim por quase um ano, já sentindo o reconhecimento de nosso trabalho pelo Brasil, até que percebemos que tínhamos que sair pelo mundo. E foi o que o nosso produtor fez. Antes que pudéssemos pensar em como fazer isso, ele já havia conseguido uma turnê pelos Estados Unidos. Não era muitos shows, cerca de 13, mas foi o suficiente para a nossa música se espalhar pela América. Gravamos também algumas canções em inglês para ajudar na popularidade mundo à fora.
Éramos cinco. O baterista, o baixista, o guitarrista, eu e meu namorado. Eu cuidava dos teclados, pianos e vocais da banda e ele dos violões e vocais. Nos dávamos muito bem no mundo da música. Entendíamos como o mercado funciona e isso nos ajudou a crescer tão rapidamente. Agora, depois de chegarmos da turnê pela América do Norte estávamos apenas aguardando as ordens para voar até o velho mundo para mais uma turnê. Sim! O nosso agente conseguiu que fizéssemos 19 shows por toda a Europa. Aquilo, certamente, aumentaria a nossa popularidade, principalmente no Brasil. Ainda não éramos uma banda mundialmente famosa, mas em nosso país, estávamos cada vez maiores e chamávamos atenção da mídia que controla o país.
A convivência era bacana, os meninos sempre animados e divertidos, com exceção do baterista, que sempre foi mais quieto. Brincávamos muito durante o tempo em que estávamos juntos. Não era fácil ser a única menina no meio de tantos meninos, mas aprendi como agir. Confesso que prefiro lidar com os homens, eles parecem ser tão mais simples! As coisas pareciam nos eixos. Depois de todo o trabalho que tivemos no inicio da banda, agora podíamos relaxar um pouco e aproveitar o reconhecimento que merecíamos.
Alex, meu namorado e principal empreendedor da banda, sabia muito bem como gerir todas as situações que se apresentavam. Ele era o responsável pelas negociações com a gravadora, os agentes, a assessoria e eu era sempre o seu braço direito. O amor pela música nos uniu e ela nos fez segurar muitas dificuldades e manter o nosso relacionamento, apesar de tudo. Mas, mesmo tendo tanto reconhecimento, eu ainda me sentia vazia, sozinha. Alex planejava casar comigo em breve, agora que tínhamos uma boa condição financeira. Ele era um ótimo amigo, engraçado, um pouco impaciente e um tanto grosseiro, mas eu já estava acostumada. Para ele, as coisas iam bem em nosso relacionamento. Mas não para mim.
Nos primeiros quatro anos em que estávamos juntos, sempre o amei acima de todas as coisas, mas depois disso, enfrentamos coisas muito complexas e que, se não fosse pela banda, não estaríamos mais juntos, com certeza. Para ele, podia estar tudo bem, mas para mim, as cicatrizes ainda pulsavam todos os dias. Já passaram-se quatro anos desde tudo e, pelas aparências, ainda estávamos firmes e fortes. Apesar de tudo, ele significava muito para mim, era um grande amigo, mas era apenas isso.
Logo  chegou o dia marcado e embarcamos para a Irlanda, onde seria a nossa primeira apresentação. Não consigo explicar a emoção que senti ao pisar naquelas terras. Cheias de histórias e mistérios. Um lugar que ansiava por conhecer desde a adolescência, agora finalmente eu estava ali, naquelas ilhas.
O tempo estava frio e a chuva assolava as janelas do carro que nos conduzia ao hotel. Era  novembro e parecia que o outono tinha se transformado em inverno. Alex apertou a minha mão percebendo que eu estava nervosa e o que aquilo significava para mim. Me deu um sorriso de lado e voltou a conversar com o baixista, que estava contando alguns fatos que sabia sobre a Irlanda.
Dublin estava um pouco deserta para uma sexta-feira à tarde, mas não estranhamos este fato. Afinal, nunca havíamos estado lah.Passaríamos apenas um dia em Dublin e eu queria aproveitar cada segundo. Só os Deuses sabem quando eu estaria lá outra vez. Tocaríamos à noite em um festival que havia nos contratado, na verdade, uma rede de festivais espalhada pela europa, provavelmente haveria alguns artistas famosos e estávamos no meio da programação. Metállica, Radiohead, Rhianna, Strokes, Katy Perry se apresentariam em alguns dos shows nos quais tocaríamos, isso aumentaria imensamente a nossa popularidade.
Deixamos as malas e os instrumentos no hotel e fomos aproveitar a cidade. O frio estava tão forte que o baterista resolveu ficar na área de conveniencia do hotel e não nos acompanhou. Demos umas voltar por Dublin, passando pelo Phoenix Park e pelo Temple Bar. Como não tínhamos muito tempo, decidimos ir só a esses dois lugares, observar a natureza e tomar uma pint.
Às 20h em ponto estávamos subindo no palco para tocar. Era um festival enorme e o público delirava. Muitos já conheciam as nossas músicas e fiquei impressionada como os nossos acessores conseguiram nos divulgar tão longe de casa. Tendo início às 17h, alguns artistas já haviam se apresentado, como o Yeah, yeah, yeahs e o Daft punk. Era uma noite eclética, primeiro um momento mais eletrônico e esperimental, depois, algo folk rock(nossa banda), em seguida, um momento mais romantico com o Ronan Keating e a Rhianna fechando a noite como atração principal.
Foi uma bela apresentação, fizemos um ótimo trabalho. Desci do palco louca por um copo de água. Valeu cada esforço para estarmos alí. Agora éramos vistos como grandes artistas, só por estar junto com todos estes grandes nomes. Enquanto os roadies do próximo artista subiam no palco para organizar os instrumentos, eu e os meninos da banda fomos até o nosso camarim e aproveitamos para festejar. Eles sempre gostavam de ficar até tarde durante os shows, inclusive o baterista estava animado.
Decidimos jogar RPG para passar o tempo. Por muito tempo julguei que era muito boa nisso, mas devo confessar que tem outras coisas nas quais eu me saio melhor. Morri no meio da partida e, sem ter o que fazer, resolvi cochilar um pouco. No dia seguinte, iríamos para Paris e eu queria estar bem descansada. No entado, os meninos estavam tão animados com a partida – que parecia que ainda levaria horas- que gritavam e davam altar risadas. Eu gostaria daquilo se não estivesse tentando dormir. Me levantei, saí do camarim e resolvi procurar um lugar mais sossegado.
Caminhei pelos corredores do backstage, todos pareciam silenciosos. Escolhi um camarim o mais afastado possível do palco principal. “Ronan Keating”, estava escrito. Colei os ouvidos na porta e ouvi apenas um silêncio profundo. Bom, ele iria tocar depois da gente, provavelmente, já terminou o show e já foi embora. Foi o que pensei. E, sem bater na porta ou me importar que alguém estivesse observando, entrei.
Era um camarim bem organizado. Com detalhes em madeira e um sofá muito convidativo. Um manto vermelho cobria o sofá e luzes de velas deixavam o ambiente mais propício para uma boa noite de sono. Ao fundo, um abajur estava desligado e um cheiro de perfume caro estava pairando no ar. “Deve ser o perfume do Ronan”, pensei. Caminhei um pouco, tentando conhecer o ambiente. Bem diferente do nosso camarim simples e cheio de jogos e cervejas.
- Devo chamar a segurança? – uma voz masculina grave ecoou em um inglês com sotaque diferente do que ouvimos nos Estados Unidos.
Estaquei com o coração aos pulos. Alguém da produção havia me descoberto. Estaria encrencada por xeretar a vida alheia. Eu bem sei como esses europeus são reservados.
Ofegante e com olhos arregalados, virei-me em direção à voz que vinha da penumbra. Ronan Keating estava vindo em minha direção, seu blazer estava jogado em uma cadeira próxima e ele usava uma regata branca que contrastava com a luz das velas. Segurava um copo que parecia conter whisky. Não parecia zangado, apenas apreensivo.
Fiquei sem fala por uns instantes, envergonhada pela minha intromissão. Como fui idiota ao pensar que ele havia ido embora. Ele parou à poucos centímetros de mim e levantou as sobrancelhas como quem pergunta “o que você faz aqui?”.
Respirei fundo, aqueles segundos pareceram durar uma eternidade. Seu olhar era penetrante e eu sabia que deveria responder alguma coisa o mais rápido possível, antes que ele chamasse a segurança de verdade.
- Me desculpe. – gaguejei – Pensei que não tivesse ninguém aqui. E não queria me intrometer, queria apenas um lugar para tirar uma soneca.
Eu tinha dito mesmo aquilo? Que queria dormir no camarim dele? Pelos Deuses, eu deveria ter inventando algo mais inteligente.
Ronan respirou profundamente, como se tivesse ficado mais tranquilo. Balançou o copo de whisky e deu um gole silencioso.
- Estou indo embora. Me desculpe, novamente. – Falei ofegante. Minhas mãos suando por causa do flagra. Ele assentiu. Dei meia volta com os passos mais largos que pude, abri a porta e a fechei atrás de mim, me encostando nela em seguida.
            Tinha estado no camarim do Ronan Keating! E conversei com ele! Bem, não foi muito uma conversa, mas ainda assim, valia. Pena que não pude tirar uma foto. E ele era tão cheiroso e bonitão! Acho que o cara mais sexy que eu já vi de pertinho.
            Corri até o camarim da banda e percebi que os meninos estavam de saída.
            - Vai haver uma festa para os artistas. Na casa de um dos produtores. – disse Greggory, o nosso baixista. – Teremos bebida de graça. – emendou.
            Respirei fundo, parecia que a noite iria ser longa e eu estaria um caco em Paris.
            Entramos no carro e o nosso motorista nos levou até a casa do produtor. Uma mansão moderna, para minha decepção. Tinha esperanças de conhecer uma daquelas mansões britânicas antigas. Me convenci de que isso provavelmente só existia na Inglaterra, Escócia e Gales.
            A casa era enorme e muito bonita. Fomos para o segundo andar. Havia pouca luz no ambiente e alguns artistas já estavam no local. A turma do Yeah, yeah, yeahs, sem o figurino estonteante estava sentada à um canto comento quiche de alguma coisa. Dois ou tres produtores conversavam animadamente sobre algo que eu não quis prestar atenção. Chris Martin e Ed Sheeran davam altas risadas como se estivessem sob o efeito de alguma droga (mesmo que não estivessem, parecia), Um carinha que eu conhecia de alguma boyband do passado sentava-se em um grande sofá prateado com uma mulher gigantesca ao lado dele. Parecia que estávamos realmente no main stream.
            Os meninos se enturmaram com uma banda inglesa que não me lembro bem o nome e estavam apostando alguma coisa enquanto tomavam litros de cerveja. Eu peguei uma taça do melhor vinho e fui para a varanda observar a casa. Seus jardins, piscina – embora me perguntasse quem toma banho de piscina naquele clima frio – seus estacionamentos e alguns convidados chegando. Vez ou outra, um carro luxuoso parava na porta de entrada e dele saía alguma celebridade.
            Quando estava na minha segunda taça de vinho, quase engasguei quando um carro preto um tanto discreto, parou na frente da porta e dele saiu o Ronan Keating, caminhando decididamente em direção à festa. Percebi que ele chegava sozinho, o que significava que a mulher dele não estava o acompanhando naquele show, talvez naquela turnê.
            Decidi ficar na varanda escondida. Já bastava o mico de invadir o camarim do cara, ainda ficar perambulando pela mesma festa, era tortura. Racionei o vinho até onde pude, mas a taça logo secou e eu precisava tomar mais um pouco. Juntei coragem e caminhei apressadamente até a mesa de bebidas. Keating estava do lado direito conversando com um cara bonitão. Percebi que me reconheceu, pois olhou fixamente para mim. Desviei o olhar e fingi que não tinha percebido. Enchi o meu copo e voltei para a varanda à fim de me esconder.
            Precisava relaxar. Tirei um cigarro do bolso do meu casaco e acendi rapidamente. Não sei porque estava nervosa. Traguei o ar quente e forte do cigarro desejando que a minha alma fosse junto com a fumaça. Geralmente gosto de festas, mas estava ainda muito envergonhada com o que tinha acontecido.
            - Você esqueceu o seu vinho.
            Gelei. Reconheci aquela voz grave e educada. Percebi que, de fato, havia esquecido a minha taça em cima da mesa de bebidas, tão ansiosa por um cigarro estava.
            - Obrigada. – falei educadamente. Ronan estendeu o copo e eu peguei delicadamente.
            Dei as costas desejando que ele fosse embora. Mas isso não aconteceu. Ele se aproximou para olhar a vista lá embaixo.
            - Olha, me desculpe. – falei ansiosa, olhando para ele. – eu realmente não queria investigar a sua vida. Não sou sua fan. Estava apenas querendo me esconder do barulho do meu camarim.
            Ele deu um sorriso forte. Seu perfume contagiava todo o ambiente.
            - Confesso que pensei que você estava xeretando o meu camarim, de início. Mas depois, você ficou tão encabulada, que realmente acredito que não foi proposital.

            Sorri nervosamente.
            - Então, você gosta de vinho, não?
            - Como?
            - Mesmo nervosa desde que me viu chegar você teve que sair do seu esconderijo para pegar mais vinho.
            Sorri novamente. Então ele estava me observando?
            Seus olhos estavam fixos em mim como se pudessem ler meus pensamentos. E eles não eram algo que eu gostaria de mostrar. Tudo o que eu pensava era como ainda não tinha desmaiado com aquele cara bonitão se dirigindo a mim tão naturalmente.
            Ele observou por um instante mais alguns artistas chegando.
            - Sabe – eu disse – fico nervosa ainda. Não me acostumei com esse mundo cheio de ídolos meus. Antes todos pareciam tão distantes.
            - Posso saber quem destes artistas que estão aqui você tem como ídolos?- ele quis saber.
            Se ele achava que a resposta seria “ele”, estava bem enganado. Tudo o que eu conhecia era apenas umas musicas antigas e só. Tipo When you say nothing at all.
            Mesmo assim, fiquei um pouco mais à vontade para responder, vendo que ele queria me fazer esquecer o constrangimento acontecido horas antes.
            - Bom, antes de crescermos como banda, eu queria ser o Coldplay. Todos riam de mim, mas era a minha meta. – falei sorrindo, ainda nervosa, mas nem tanto.
            Ronan abriu um sorriso alto e jogou a cabeça para trás.
            - Coldplay é sempre uma ótima opção para se inspirar. – ele disse. – e quem mais?
            - Humm – parei um instante para pensar – Tenho ouvido muito o Ed Sheeran e o George Ezra. – apontei para um e depois o outro. – E também a Shakira, que é latina, como eu.
            - E de qual parte da América Latina você é? – ele pareceu interessado.
            - Do Brasil. – respondi. Pronto. Ele não fazia ideia de quem éramos. Eu também não tinha obrigação de apontá-lo como ídolo.
            Ele sorriu animadamente e tomou um gole do que estava bebendo. Acho que era whisky outra vez. Ai, esses Irlandeses!
            - Estive uma vez no seu país – falou entusiasmado por saber alguma coisa sobre onde eu vinha. – É muito amistoso. Fui muito bem recebido lá.
            A conversa ia solta e cada vez mais eu conhecia um pouco sobre ele. Ronan me confessou que, ao me ver em seu quarto, pensou que era uma fã louca e quase realmente chamou a segurança, mas depois se convenceu de que eu não o faria mal. Não tão magra e aparentemente sem uma arma.
            À medida que bebíamos, a conversa ficava mais interessante, contamos piadas, falamos sobre o Brasil e a Irlanda e sobre o nosso trabalho. Cantarolei When you say nothing at all desafinadamente por causa do álcool e ele riu. Eu estava absorta em nossa conversa que nem vi quando Alex se aproximou e disse que teríamos que ir embora, pois acordaríamos cedo no dia seguinte. Quando ele chegou, eu e Keating estávamos em uma séria discussão sobre o fato de eu não entender nada de whisky e ele de cachaça. Eu tentava convencê-lo de que o gosto da cachaça brasileira era melhor do que o do whisky irlandês. A verdade é que eu não tinha certeza de que isso era verdade, mas a bebida me fazia defender o meu país.
                - Alex, esse é o Ronan. Keating. Ele se apresentou hoje depois do nosso show. – falei triste por interromper a discussão.
                Alex estendeu a mão para Keating e ambos se cumprimentaram.
                - Ronan, este é Alex, meu namorado, vocalista da nossa banda.
                Um brilho estranho perpassou os olhos do Irlandês, mas não consegui perceber o que estava acontecendo.
                - Alex veio dizer que preciso ir embora. – traduzi para Ronan em inglês, pois Alex havia falado comigo em português.
                Ronan acenou com a cabeça e tomou o último gole de seu whisky.
                - Foi bom conversar com você. – falei, acenando a cabeça. – espero que a gente se encontre por aí.
                - Boa noite. – Ronan sorriu e ficou observando eu e Alex sairmos de mãos dadas da festa.
                Nos despedimos ainda de alguns dos convidados da festa e fomos embora. Ao sair da mansão, pude perceber Ronan me observando atentamente da varanda, porém sem demonstrar o que estava pensando. Talvez estivesse tão bêbado que não se lembrasse de mim no dia seguinte.
                Fomos para o hotel e eu passei a noite me perguntando com quantos artistas eu ainda iria fazer amizade, mesmo que só por uma noite. Me lembrava do perfume de Ronan e dormi sentindo ainda seu aroma forte. Talvez tenha ficado impregnado no meu corpo de alguma forma.
Acordei eram quase oito horas. Alex estava acordando todos os integrantes da banda, pois o nosso vôo sairia em 1h. Estávamso super atrasados!
Troquei de roupa o mais rápido que pude, calcei as minhas botas e peguei um grande casaco preto. O clima prometia muito vento e chuva. Sem tomar café da manhã e morrendo de ressaca por causa do vinho, corremos até o aeroporto. Conseguimos chegar bem à tempo de pegar o nosso avião!
O clima em Paris também estava frio, porém com menos vento, o que deixava a sensação térmica mais suportável. Também não teríamos muito tempo naquela cidade. Tocaríamos em uma das redes do mesmo festival na Irlanda. Era uma grande rede, parceira à muitos anos, que estava promovendo vários festivais por toda a Europa. Conseguimos fechar a maioria dos nossos shows com essa parceria e eu já havia percebido que, aparentemente, muitos artistas também faziam o mesmo.
Chegamos ainda cedo no hotel e logo saímos para conhecer a cidade. Era muito bonita, apesar de que eu nunca havia desejado conhecê-la. Vimos belas pontes, casas e uma natureza estonteante. Completamente diferente da América do Sul. Fomos no Louvre, porém, nos limitamos a observá-lo pelo lado de fora. Não daria tempo de visitar o museu completamente. Alex, aproveitou para provar alguma iguaria francesa. Ele estava realizando um sonho. Falava francês fluentemente, tendo se preparado para este momento durante muito tempo. Aparentemente, ele estava boquiaberto com tudo.
-  Julia – me chamou. – temos que voltar com mais tempo por aqui em breve! Há muita coisa para se aproveitar!
E ele tinha razão. Era um lugar muito agradável.
Depois do nosso pequeno passeio, voltamos pro hotel para pegar os nossos instrumentos e seguimos para o estádio onde haveria o show daquela noite. Chegamos umas 17h e aproveitamos para passar o som. Impressionante como os responsáveis pelos shows no exterior eram mais organizados do que muitos brasileiros.
Após a passagem de som, fomos para o camarim nos aprontar para o show. Os meninos eram simples em seus figurinos, o meu era sempre um pouco mais complexo. Roupa cabelo, maquiagem. Nunca entendi nada disso, mas tive que aprender a fazer tudo sozinha. Não ficava perfeito, mas dava pro gasto durante uma turnê desse tipo. Depois de alguns minutos tentando alinhar os cachos nos meus cabelos, senti que estava pronta. Deixei um look mais escuro para contrastar com as luzes loiras em meus cabelos. Fiz um coque meio desajeitado e me pareceu agradável.
Ao acabar a minha produção, decidi assistir um pouco da apresentação que estava acontecendo no palco naquele momento. Caminhei para a frente do palco, onde os fotógrafos ficam à postos. Uma área reservada para os artistas, ainda um pouco no meio da multidão. Eu podia ouvir as pessoas cantando alto e em coro. Parecia um show animado.
                À medida em que eu me aproximava, fui percebendo uma voz masculina cantando fortemente no palco. Pude perceber uma melodia já conhecida e tentei me lembrar de onde conhecia aquela música. Antes, porém, de eu conseguir entrar na área dos fotógrafos, o vocalista parou de cantar e começou a conversar animadamente com a platéia.
                Ele estava bem ali. No palco. Sorrindo e conversando com seus fans na maior naturalidade. Assim como havíamos feito na noite passada. Fiquei um pouco surpresa, mas logo relaxei. Ele não me notaria ali, embora eu quisesse ser notada.
                Então ele largou o violão e foi para mais perto do público. Se não fossem as luzes encandeando seus olhos, ele poderia me ver facilmente. Começou então uma canção antiga. Dessas bem sentimentais, acho que essa é a especialidade dele.

“Every time you cross my mind
I catch my breath and sigh
And every memory that we shared
Still lives deep inside
Just like a ship without an ocean
Like a sun without a sky”

            Ele parecia concentrado em cada palavra. Seus olhos estavam fechados como que em êxtase.  Logo, abriu os olhos e me viu. Pareceu um pouco confuso, mas eu sorri e ele continuou a cantar retribuindo o sorriso.

“You were the best of me
I swear you were the best of me
And since you have gone there's nothing left in me
My love you were the best of me
When I close my eyes I see you there”

            Me juntei ao coro da multidão. Essa eu conhecia. Era uma das minhas preferidas dele. Como falei, não conhecia muitas músicas do Ronan Keating, mas há algumas que grudam na cabeça.
            Permaneci até o final da música cantando alto, me unindo à multidão que vibrava com cada frase. Não fazia ideia de que ele era tão empolgante assim. Suas músicas sempre me pareceram tão melosas!
            Antes dessa musica acabar, Alex e Greggory aproximaram-se de mim.
            - Estávamos loucos, procurando por você! Uma TV francesa quer nos entrevistar agora e querem conversar com a banda inteira. – disse Greg. Alex apenas observava Ronan, quieto, como se estivesse vendo uma assombração.
            Saímos apressadamente e fomos até o camarim para darmos a entrevista. Fiquei me perguntando se Ronan sentiria minha falta ou se percebeu que os meninos haviam me tirado dali. Talvez nem lembrasse de mim. Mas ele sorriu de volta. Bom, se um artista é simpático, ele sorri para qualquer fan que mostra interesse por ele, certo?
            Tudo ocorreu bem na entrevista e logo nos preparamos para subir no palco. Os meninos estavam à postos atrás das cortinas do palco enquanto eu ainda finalizava alguns detalhes no visual para subir. Retocava o rímel quando vi, através do espelho, Ronan parado na porta do meu camarim. Ela estava aberta, pois eu pedi que os meninos não fechassem, já que eu não iria demorar.
            Ele sorriu e bateu na porta, que já estava aberta, como quem pede permissão para entrar.
            Sorri de volta e me virei para conversarmos.
            - Seu show me pareceu muito bom! – eu disse, como se eu tivesse assistido à todas as músicas.
            - Percebi que você estava gostando. – ele sorriu e se aproximou. – Parece que vamos nos apresentar nos mesmos festivais.
            Fiquei confusa um momento. Como assim, nos apresentaríamos nos mesmos eventos? Logo lembrei da parceria entre os produtores dos festivais. Claro que Ronan também estava aproveitando para seguir essa parceria.
            Fiz um aceno com a cabeça. Ele parecia ter acabado o show à pouco tempo. Seus cabelos estavam molhados, de suor, creio eu, apesar de seu corpo estar seco. Eu podia ver as tatuagens de seus braços escondidas sob a regata branca que ele usava depois do show.
            - Irei assistir ao seu show também. – ele piscou e se afastou. – Tenha um bom show. – gritou enquanto se afastava.
            Isso me ajudou a ficar ainda mais nervosa. Ele era muito sério, mas muito doce ao mesmo tempo. Seus olhos azuis pareciam conter mistério e penetravam fundo dentro da minha cabeça. Acabei por perceber que, se o visse de regata outra vez, perderia o fôlego até desmaiar.
            O show correu bem, apesar do meu nervosismo. Pensava à todo instante que Ronan estava ali me observando, porém não consegui vê-lo nem uma única vez. Talvez ele não tivesse ido, afinal.
            Depois do show tínhamos uma outra festa para ir. Desta vez em um café, tipicamente francês que os produtores haviam reservado só para os artistas, produtores e acompanhantes. Fiquei um pouco insegura, pois sabia que encontraria o Ronan lá também. Não sabe o que estava acontecendo comigo.
            Chegamos, fomos bem recebidos por alguns amigos da produção. Chris Martin veio até nós, com uma garrafa de vinho e fez sinal para os garçons trazerem mais taças. Ele estava animado, embora bebesse apenas água com gás. Nos levou até um grande mesa onde diversos artistas estavam sentados. Ronan sentava-se no lado esquerdo da mesa, perto da ponta e conversava animadamente com uma atriz francesa. Quando cheguei, pude perceber seus olhos em cima de mim, embora apenas de relance. Ouvvi também que ele tinha um francês perfeito.
            Sentei no lado oposto da mesa, embora ficasse um pouco de frente para ele. Os meninos da banda me cercaram por todos os lados e começamos a conversar animadamente. Ed Sheeran contava algumas piadas inglesas, o que não nos fazia rir, exatamente. Percebi que vários daqueles artistas também estariam no circuito de festivais.
            Vez ou outra eu olhava para Ronan e ele sempre parecia muito à vontade. Claro que eu olhava discretamente, nada exagerado, mas não conseguia manter os olhos distantes.
            - Julia. – gritou um produtor, de repente.
            Percebi que Alex saíra do meu lado na mesa e estava do outro lado conversando com esse produtor e mais dois cantores ainda desconhecidos. Olhei rápido ao perceber que falavam ou se dirigiam à mim. Todos da mesa olharam para mim, em seguida.
            - O que você acha da ideia de seu namorado? – brincou o produtor.
            - O que ele pretende? – perguntei um tanto tímida.
            Percebi Ronan com os olhos fixos em mim e corei retribuindo o olhar discretamente.
            - Ele teve a ideia de misturarmos alguns artistas durante os festivais. Fazermos parcerias. Por exemplo, a sua banda tocar com o Ed ou você fazer um dueto com o Keating.
            Corei mais ainda. Sei que era apenas um exemplo, mas mesmo assim fiquei nervosa.
            - Seria uma ótima oportunidade para nos aproximarmos melhor uns dos outros. – respondi sentindo que eu queria dar uma indireta no Ronan.
            Olhei para ele de relance.
            - O que você acha, George? – perguntou o produtor para George Ezra que sentava-se no meio da mesa.
            - Parece uma boa oportunidade para gerarmos mais publicidade. – disse ele, indo direto ao que interessava.
            - E dinheiro. – completei em voz alta sentindo todos os olhares caírem sobre mim. Droga, porque disse aquilo tão diretamente?
            Tudo nesse mundo se resumia à dinheiro e fama, mas eu não precisava falar tão abertamente daquela maneira.
            O produtor riu alto.
            - Parece que alguém entende como as coisas funcionam aqui. – disse, olhando para mim.
            - Eu tive um bom professor. – falei olhando para Alex.
            - Então, todos concordam que deveríamos fazer um intercâmbio entre artistas? Assim os mais famosos contribuem para que os outros alcancem uma maior popularidade, gerando mais lucros para ambos?
            Todos concordaram. Uns falaram que sim em voz alta, outros apenas acenaram com a cabeça.
            Rapidamente iniciou-se uma discussão sobre quem se apresentaria com quem. Ed Sheeran se mostrou interessado em se apresentar com Alex e o Chris Martin quis saber como poderíamos juntar a nossa banda e o coldplay ao mesmo tempo. Rhianna se prontificou a mergulhar no folk do George Ezra e ficamos de ver com quem as bandas que não estavam presentes poderiam formar parcerias.
             - Mas Ronan, você ainda não se decidiu. – disse o produtor. Ronan estava absorto em uma conversa animada sobre juntar o Artic Monkeys e a Katy Perry.
            Ronan virou-se para o produtor e falou em voz alta para que todos na mesa escutassem.
            - Acho que seria interessante que eu fizesse um dueto com uma voz feminina, porque assim, ambos se destacariam. E, pelo meu estilo, seria bom uma voz suave e delicada.
            Praticamente todo mundo olhou para mim. Ele sabia. Tinha assistido ao nosso show. Não pude vê-lo, mas ele estava lá. Como iria saber que minha voz era suave e delicada? Eu até conseguia dar uns graves bacanas e impostar, mas também sabia cantar de forma doce e sutil.
            - Então está feito. – disse o produtor. – Faz alguma objeção de cantar com o Keating, Julia.
            - Claro que não. – respondi tentando soar casual.
            Pude perceber que Alex não gostou nada dessa história, mas, afinal, o que mais importava para ele naquele momento era o fato de que a banda estava prestes à dar um salto se cantasse com o Coldplay ou o Ed Sheeran.   
            Ronan sorriu. Pude ouvir o cérebro dele trabalhando rapidamente para conseguir uma desculpa de nos manter juntos no mesmo ambiente mais uma vez. E ele havia conseguido. Induziu o produtor a me cogitar para cantar com ele, sem dizer diretamente que queria que fosse eu.
            No resto da noite, dividimos as parcerias para decidir como fazer as apresentações. Primeiro me juntei com a banda para decidir como seria com o Coldplay. Seria magnífico, todos nós juntos em um mesmo palco.
            Depois, me afastei da banda e me aproximei de Ronan. Ele conversava animadamente com uma mulher um pouco mais velha. Na verdade, ela devia ter a idade dele. Sempre me esqueço de que ele tem onze anos à mais do que eu, que tenho só 26.
            Ele interrompeu a conversa com a mulher e fomos para um canto para conversar sobre as nossas apresentações.
            - Podemos cantar When you say nothing at all, já que na noite passada, percebi que você conhece de cor.
            Soltei uma risada. Ele riu também. Ambos sabíamos que ele estava falando da minha palhinha bêbada.
            - Gosto da de hoje. – falei como se ele fosse lembrar da música.
            - The best of me? – ele lembrou.
            - Aham. – balancei a cabeça concordando.
            - Podemos fazer sim. Mas temos que ensaiar um pouco, porque eu sempre me atrapalho nessa. – brincou.
            Pelo menos essa eu sabia de cor. Podia ter sido pior. Eu não conheço nenhuma música da Rhianna, por exemplo.
            Combinamos de ensaiar pela manhã no hotel onde ele estava hospedado. Achei melhor, não queria atrapalhar o sono dos meninos. À tarde, partiríamos para tocar em Amsterdam.
            A manhã demorou para chegar. Saí antes que os meninos acordassem. Inclusive Alex, que sempre acordava cedo, havia bebido em excesso e estava apagado no sofá. Tomei um banho rápido, comi uma maçã e peguei um táxi para o hotel combinado.
            Nem chegava aos pés do hotel onde estávamos hospedados. Era enorme, incrível. Já na recepção, uma moça simpática, que parecia me conhecer da televisão, acenou com a cabeça e disse que “o Sr. Keating estava me esperando no quarto 303”.
            Agradeci e peguei o elevador. Quando bati à porta do quarto ele veio atender. Percebi que ainda estava com as calças do pijama, porém em cima não havia nadinha para cobrir os seus músculos.Se eu achava que desmaiaria, consegui me controlar, porém perdi um pouco o ar. Acho que ele percebeu, pois pediu que eu esperasse na sala e correu até o quarto, voltando vestido com uma blusa.
            Confesso que preferia ele sem camisa, mas seria difícil me concentrar, certamente.
            - Você quer  um chá, um café? – ele ofereceu.
            Neguei com a cabeça e me sentei em uma cadeira próxima à varanda do apartamento. Ele pegou outra cadeira e sentou-se ao meu lado, segurando o violão. Passamos a música algumas vezes, até ficarmos seguros de que estava bom.
            - Sabe – eu disse. – Você tem uma música que ficaria perfeita comigo acompanhando no piano.
            - Scars? – ele disse, adivinhando.
            Concordei, abismada por ele ter adivinhado.
            - Realmente, ficaria. Poderíamos tentar.
            Em um segundo, já havia um teclado na sala e eu estava sentada diante dele. Um Nord novinho! Meus olhos brilharam.
            Acho que ele percebeu, pois sorriu, mas não disse nada.
            - Há tantas coisas que sinto vontade de saber sobre você. – ele deixou escapar, como se dissesse isso mais para si mesmo do que para mim.
            - Que tipo de coisas?
            Ele pareceu ter despertado de um sonho com a minha pergunta. Estava mesmo pensando alto.
            - Quantos anos tem, o que faz da vida quando não está tocando, qual o seu perfume, suas músicas favoritas. – ele deu um suspiro.
            Apesar de achar estranho aquele momento tão informal no meio de tantas formalidades, senti vontade de conversar sobre essas coisas.
            - Tenho 26, gosto de ler, ver filmes, estar na natureza, ir à praia. Não uso um perfume fixo e gosto muito de ouvir música celta.
            Seus olhos brilharam. Eu tinha esquecido que os celtas era praticamente Irlandeses.
            - Conhece Enya, então? – ele perguntou.
            - Claro que sim. De onde você acha que eu venho? – dei um pequeno tapinha em suas costas e sorri como que zombando dele.
            - Não quis dizer isso. – ele riu. – Apenas acho que se você não conhecesse, deveria.
            - Bom, mas e você? O que gosta de fazer quando não está tocando?
            Ele suspirou.
            - Gosto de estar com meus filhos. – senti uma coisa afundando no meu estômago.
            - Depois que me separei da minha ex, as coisas ficaram um pouco distantes entre eles e eu. – falou um pouco cabisbaixo. Eu não entendia porque estava me dizendo aquilo tudo.
            - Pensei que você fosse casado. – falei, olhando para a aliança que ele trazia no dedo.
            - E eu sou. Casei novamente no ano passado. Mas mesmo assim, sinto falta da minha família. Das crianças.
            Abri e fechei a boca, tentando compreender a situação. Ele era casado, pela segunda vez.
            Me senti à vontade para perguntar como foi que aquilo aconteceu.
            - As coisas desgastaram-se ao longo do tempo. – ele respondeu.
            - Sei bem como é. – concordei. Ele me olhou profundamente.
            - Sabe? – pareceu interessar-se pela conversa.
            - Sim. Estou com Alex há oito anos e muita coisa já aconteceu. Coisas boas e ruim. Às vezes acho que a banda é o que mantém o relacionamento.
            Ele balançou a cabeça, mas por uns instantes não disse nada.
            - Storm, minha esposa, é muito especial. Você gostaria de conhecê-la. – ele disse levantando-se da cadeira e indo até a varanda. Acendeu um cigarro enquanto eu digeria aquela informação.
            Ele queria que eu conhecesse a esposa dele? Bom, parece que eu confundi um pouco as coisas. Eu não quis confessar, mas estava flertando com ele na noite passada em cada um dos olhares que lhe lancei. E pude jurar que era recíproco. Não que eu me orgulhasse disso, claro. Tinha o Alex. Mas, afinal, ele mesmo não já tinha feito coisa pior comigo?
            Respirei fundo, meu romance com o Ronan Keating estava terminando e nem tinha começado.
            - Tenho certeza de que ela deve ser uma ótima pessoa. – eu disse, tentando parecer descontraída.
            Ele se virou e deu mais uma tragada no cigarro.
            - Ela é. Os meus filhos gostam dela, apesar de tudo.
            - Quantos filhos você tem? – perguntei.
            - Duas garotas e um menino. Já está mais alto do que eu. – ele riu.
            Vamos confessar que o Ronan Keating não tem lá essas alturas.
            - E você e o Alex. Não vão casar?
            Engasguei.
            - Não. Não pretendemos fazer isso. Somos melhores assim, apenas nos enrolando.
            Rezei para eu não perceber o verdadeiro motivo.
            Ele balançou a cabeça, concordando e percebi que seu cigarro tinha acabado. Me ofereceu um, mas eu recusei. Não pela manhã. Logo o café da manhã chegou n quarto e comemos um pouco. Amoras, morangos, tâmaras. Um café da manhã bem leve.
            - Tenho que ir agora. Embarcaremos para Amsterdam em três horas. – falei me levantando.
            - Nos vemos lá, então. – ele estendeu a mão.
            Estendi a mão em reposta, apertamos e eu desci, voltando para o meu hotel.
            Há noite, já em Amsterdam ensaiamos em cima da hora com o Coldplay para a nossa apresentação. Foi muito boa, apesar de tudo. Eu esperava que se repetisse. Eu e Ronan decidimos que só nos apresentaríamos depois que ensaiássemos Scars. Seria muito bom também.
            Na manhã seguinte, lá estava eu, indo encontrar Ronan em seu novo quarto de hotel. Tão aconchegante e caro quanto o de Paris. O Nord estava lá, pronto para ser tocado e eu ansiosa para colocar as mãos nele. No Nord.
            Dessa vez foi mais trabalhoso para que eu aprendesse a tocar a música. Mas conseguimos fazer um excelente progresso. Em seguida, saímos do hotel para caminhar um pouco. O dia estava agradável.
            Era impressionante como eu conseguia ser eu mesma com o Ronan. Ríamos alto de várias coisas e conversávamos bastante, apesar de sermos de culturas tão diferentes. Ele era compreensivo e paciente. Às vezes fingia que se zangava com algumas coisas e depois caía na risada. Parecia ser bem mais jovem do que realmente era.
            Há noite, a nossa apresentação em Berlin foi fantástica. O público gritava contagiado pela energia. Combinávamos perfeitamente no palco.
            Depois da apresentação nos separamos e cada um foi para o seu camarim. Os meninos jogavam RPG, enquanto eu imaginava como seria se Ronan sentisse algo por mim. Mas isso não aconteceria. Suspirei e saí do camarim para dar uma volta. Estava frio, mas eu gostava de variar do clima brasileiro.
            Caminhei um pouco pelas ruas e, no meio do silêncio e do barulho dos carros, pude ouvir duas pessoas conversando. Pareciam estar discutindo algo amistosamente. Avancei lentamente para não atrapalhar a conversa de quem quer que fosse e encontrei o Ronan abraçado à uma loira alta e muito bonita. Ela beijava o pescoço dele como se quisesse devorá-lo. Pisquei para ter certeza de que era real. Será que ela era a esposa dele? Fiquei ali por uns instantes sentindo meu coração apertar um pouco.
            Claro que não estava apaixonada pelo Ronan, era só empolgação porque ela era muito bonito, atraente, amigável. E o conhecia apenas há alguns dias. Claro que não era nada. E, ele podia ficar com quem ele quisesse. Esposa ou não. Não era da minha conta. Dei meia volta e voltei para a casa de shows.
            Mais tarde, depois de passar o tempo todo relembrando a cena que havia visto, fomos embora. Desta vez eu não fui à festa. Dispensei os meninos, dizendo que estava cansada. E estava mesmo! A noite havia sido mágica quando eu cantei com o Ronan no palco e depois desastrosa, como se quizesse me colocar de volta ao lugar onde eu pertenço. Éramos colegas de trabalho e mais nada.
            Acordei com uma ressaca cruel no dia seguinte e nem tinha bebido. Os meninos tinham voltado da festa tarde e Alex estava me abraçando por trás. Percebi que ele também estava acordando e me beijando lentamente. Começou no pescoço e foi descendo pelos ombros. Há tempos aquilo não fazia mais efeito em mim. Eu só queria dormir e esquecer que acreditei que poderia estar acontecendo algo diferente do que estava acostumada.
            Há dias não fazíamos sexo, pois estávamos sempre no mesmo quarto dos meninos. Para encurtar os orçamentos da turnê. Mas ele queria. Ele sempre queria.
            - Seu amiguinho levou a esposa dele para a festa ontem. – ele comentou, ainda me beijando, como se soubesse o que se passava dentro de mim.
            Fingi que não me importava. Então ela era mesmo a esposa dele!
            - Foi? – perguntei enquanto ele pensava que eu estava gostando dos beijos dele.
            - Sim. Ela é muito bonita. Loira, alta. Parece que é uma modelo australiana.
            Me senti afundar no colchão. Idiota. Claro que Ronan casaria com uma modelo. Lindo do jeito que ele é. E isso também não foi o que Alex quis, certa vez?
            Me virei e comecei a beijá-lo como se estivesse excitada. Era uma tentativa de não prolongar aquela conversa.
            Ele me abraçou e ficamos ali nos beijando enquanto nossas mãos passeavam pelos nossos corpos. Minha cabeça imaginando mil e uma coisas. Eu tinha que parar de pensar nisso.
            Aquele dia foi uma boa folga. E os que se seguiram também. Ficamos até a quinta-feira em Berlin e seguimos para Viena.
            Em Viena, outra apresentação com Ronan. Sabia que iria ter que encará-lo outra vez. E desta vez, não só ele. A Storm também. Uma grande e pesada tempestade.
            Ele veio entre animado e sem jeito para nos apresentar. Eu podia jurar que, pelo olhar dele, ele também pensava em mim do mesmo jeito que eu pensava nele.
            Ela sorriu, simpática e eu não fiquei para trás. Abri o sorriso mais simpático do mundo, enquanto tinha vontade de correr e me esconder. Ou dar um tapa na cara dele, não sei por que. Ele pareceu incomodado com o momento. Ela disse que eu cantava muito bem e me deu os parabéns pelo sucesso com a banda.
            Parecia ser realmente uma boa pessoa. Seria uma tremenda sacanagem dar em cima do marido dela. Mas não foi isso que ela fez antes?
            Eu tinha procurado saber sobre a história dele, a família que parecia perfeita destruída por um caso. Deve ter sido ela. A tempestade.
            Ficamos um pouco frios nas noites seguintes, tocamos e cantamos juntos e Alex parecia se divertir ao observar como eu me portava no meio do casal. Ele era meu namorado, mas apesar de tudo, era meu amigo. Talvez soubesse o que se passava muito mais do que eu imaginava. Às vezes ele me observava com olhar triste. Sabia o que tinha feito e era como se esperasse o retorno, apesar de já ter se desculpado mil vezes.
            Ela ficou apenas um final de semana conosco e teve que ir para os Estados Unidos trabalhar. Foi bom saber que ela tinha ido embora. Sempre que estávamos no mesmo ambiente, eu percebia Ronan olhando para mim, sem saber o que ele queria exatamente. Seus olhos ficavam muito confusos quando ela conversava comigo e eu o encarava sem saber como me comportar e rezando para ele não perceber o que eu sentia.
            Comecei a achar que Ronan era muito velho para mim. Talvez o George Ezra fosse melhor ou o Ed Sheeran. Além de tudo, era Irlandês. Deveria ser cheio de superstições (como se eu não fosse) e beber demasiadamente como todo europeu. E era casado, com filhos do primeiro casamento e não tinha tempo para mais crianças.
            - Você esteve distante esses dias. – ele comentou indo até o meu camarim depois da nossa apresentação. O nosso guitarrista estava se aprontando, por isso ele falou baixo.
            - Estive um pouco ocupada. – falei desviando olhar e torcendo para não parecer tão fria. Realmente não queria mais conversa. Se era para acabar os meus devaneios, quanto mas longe, melhor.
            Ele concordou. Estava meio sem jeito, pude perceber.
            - Amanhã teremos um dia de festa em Florença. É a nossa folga e seria muito bom se toda a sua banda fosse.
            Assenti. Os produtores já haviam nos dito sobre isso. Uma festa informal em um clima frio mediterrâneo próximo à um vinhedo.
            Lembrei de você enquanto passeava por Viena. Ele estendeu uma caixinha cor de vinho e me puxou para fora do camarim. Sussurrando disse:
            - Me lembra o tempo em que passávamos compondo.
            Abri a caixinha e encontrei uma pequena pulseira de prata. Nela, haviam instrumentos musicais em forma de pingentes que pendiam aleatoriamente. Fiquei nervosa. Eu queria afastá-lo, não ganhar um presente.
            - É muito linda. – exclamei, um pouco séria demais. Se ele pensava que iria ficar com amassos entre a mulher dele e eu, estava muito enganado. Não conseguiria me amolecer tão fácil.
            -É um Nord. – ele apontou para o tecladinho na pulseira. Embora não parecesse um Nord, ele fez questão de frisar um instrumento que eu tanto queria.
            - Obrigada. – falei como se finalizasse a conversa. Eu não poderia ser fria demais, ou ele iria desconfiar do que eu estava sentindo, seja lá o que fosse. Me virei para entrar no camarim.
            - Olha, ela veio de surpresa. – ele começou a falar. Parei de andar, ainda de costas para ouvir. – Eu não sabia que ela estaria por aqui. Ela tinha ido visitar a família na Austrália. Não pude evitar.
            - Você não tem que me dar satisfações da sua vida. – falei, em um tom brando. Virei-me para encará-lo. Era óbvio que ele sabia o que estava se passando.
            Ele pareceu ficar tenso. O que acontecia com ele, afinal?
            - O que você quer, Julia? – ele perguntou como se exigisse uma explicação. – esteve distante esses dias e me olha como se... como se... – parou no meio da frase.
            - Olho para você do mesmo jeito que olho para os meus amigos. – respondi sendo educada. – Desculpe se estive estressada e deixei transparecer. Boa noite.
            A festa daquela noite foi tranquila apesar de tudo. Depois de uns cigarros e bebidas eu estava completamente leve e conversava com todos no salão. Ronan observava e pareceu frustrado por eu não usar a pulseira que havia ganhado.
            No dia seguinte, partimos para Florença. Seria um longo dia no meio daquelas celebridade. Umas legais, outras muito loucas. Umas que tinham se tornado amigas, outras que eu não queria ver nem tão cedo.
            A festa estava animada. Música rolava no som, drogas, altas risadas e conversas. A natureza italiana era romântica e seus bosques encantadores. Em um momento o vinho havia acabado. Algumas pessoas foram cotadas para ir buscar mais vinho no vinhedo da fazenda vizinha. A maioria estava tão bêbada que não conseguia nem segurar um copo. Os meninos da banda, incluindo Alex enchiam a cara e conversavam animadamente. O nosso baterista tinha decidido ficar no hotel.
            Ronan ainda estava meio sóbrio e foi decidido que ele iria na fazenda ao lado buscar alguns vinhos.
            - Vem comigo? – ele sussurrou no meu ouvido.
            Eu já estava quase muito bêbada, mas ainda tinha controle sobre o meu corpo e a minha mente. Não um controle total, mas não estava fora de mim. Aceitei de imediato, louca para andar pelos bosques Italianos. A bebida me fez esquecer, por um instante, que estava com raiva dele. Ou dos meus sentimentos em relação a ele.
            Fomos caminhando animadamente. Ele contava histórias de sua infância nos bosques irlandeses e eu na praia.  Vez ou outra ele parava no caminho para me mostrar uma planta ou um inseto. Era uma caminhada de uns vinte minutos, mas foi bem divertida.
            Faltava metade do caminho quando comecei a sentir grossas gotas de água caíndo no meu casaco. Logo, uma chuva torrencial desabou, o que nos fez ficar completamente ensopados. Eu, por causa da bebida, rodopiava em meio à água que caía enquanto ele tentava encontrar um caminho mais próximo para a fazenda. Assim que chegamos, corremos até a adega onde ficavam o barris de carvalho cheios de vinho, aquele era o nosso destino e só nos restava esperar a chuva passar.
            - Ainda bem que você veio comigo. – ele falou, tentando secar o próprio casaco. – Caso contrário, eu não teria com quem conversar até a chuva passar.
            Dei um sorriso bobo, devido ao álcool. Ou talvez porque estava admirando o corpo dele através da fina camisa molhada. Quase como Mr. Darcy.
            Ele reparou que eu olhava para ele e aproximou-se de mim. Eu ainda estava com o meu casaco e não cosneguia tirá-lo. Nem havia tentado, na verdade. Me ajudou a tirar o casaco e colocamos eles estendidos em uma tábua que pendia do teto. O lugar parecia velho, feito de madeira, com algumas festas entre as tábuas que formavam as paredes, o que permitia que o frio entrasse. Não era uma daquelas adegas subterrâneas e chiques. Era algo bem precário.
            Comecei a tremer imediatamente pela falta do casaco e o vento frio que invadia a adega. Encostei em um canto da parede e disse em voz alta:
            - Parece que a festa ao ar livre teve que ser removida. - Disse aquilo lembrado que todos estavam no jardim quando saímos. – Alex não deve estar nada contente em saber que estou aqui com você.
            - E por que ele não estaria?- ele perguntou como se já soubesse a resposta. Como se soubesse que juntos corríamos perigo.
            - Ele tem ciúmes. – falei com simplicidade. – Acha que somos mais do que amigos, ou que queríamos ser.
            - E você acha que ele tem rasão em ter ciúmes?
            Onde ele queria chegar com aquelas perguntas? Eu estava bêbada, poderia falar qualquer coisa que não haveria sentido.
            - Claro. – respondi cheia de álcool no sangue. – Você é um cara legal, com sucesso, sexy.
            - Você me acha sexy?
            Pisquei tentando compreender a pergunta.
            Me aproximei dele e ficamos à poucos sentimentos um do outro. Comecei a tocar seus ombros e fui passando levemente as mãos pelo seu peito forte, descendo até o abdômen.
            - Se eu acho você sexy? Céus, você é muito gostoso!
            Ele riu alto e pareceu querer que eu me aproximasse mais. Segurou a minha mão que corria pelo seu umbigo antes que ela descesse ainda mais. Seu perfume misturava-se ao vinho italiano.
            Minha última frase saiu em tom de brincadeira, porém nós sentíamos a verdade surgindo em cada gesto, cada palavra, cada olhar.
            Ronan ficou sério por uns instantes e me encarou profundamente. Seus olhos azuis penetraram os meus de forma que eu não conseguia desviar o olhar. Ele colocou as duas mãos em meus ombros e acariciou de leve o meu pescoço enquanto levava as mãos até o meu rosto. Senti calafrios quando a sua mão direita desceu pelo meu corpo até chegar na minha cintura e me apertou com força. Senti sua respiração bem próxima à minha.
            O que estava acontecendo? Ele era casado e eu estava prestes a cometer uma burrice.
            - Acho que eles estão aqui. – ouvimos uma voz grossa dizer.
            Nos afastamos imediatamente. Como se fôssemos duas crianças fazendo travessuras. Ele mantinha o olhar fixo no meu e eu ainda me encontrava hipnotizada. Rapidamente ele abriu as portas da adega para ver quem eram os nossos visitantes. Alex, Ed e um dos produtores apareceram na porta.
            Meu coração estava pulando e eu não sabia se era de nervoso ou de alegria.
            - Viemos procurar vocês. – disse Alex correndo para me abraçar, vendo que eu começara a tremer de frio. O calor do momento com Ronan havia se quebrado com a abertura das portas.
            Alex pegou meu casaco molhado do chão e o colocou sobre os meus ombros. Me dei conta de que a chuva fora mais rápida do que eu imaginara. Aquele momento tinha se perdido para sempre.
            Os tres estavam em um carro e nos levaram de volta com mais algumas garrafas de vinho.
            A festa durou o dia inteiro e eu só conseguia pensar no que havia acontecido pela manhã. Ronan parecia pensativo e me olhava profundamente. Alex chegava em mim, vez ou outra para me beijar e abraçar como se fôssemos o casal mais feliz do mundo. Nessas horas, Ronan virava o rosto e conversava com quem estivesse ao lado.
            Em um momento ficamos um ao lado do outro sentados em um grande sofá. A festa havia sido transferida para dentro da casa, por causa do mau tempo. Ele tocou de leve o meu joelho e comentou:
            - Você não parece gostar dele. – apontou com a cabeça para Alex.
            - Ele é um ótimo amigo. – falei com sinceridade.
            - Eu não quis dizer no sentido de amizade. Posso perceber que toda a banda é bem unida. Até o baterista. – ele riu com esse detalhe.
            Retribuí o sorriso.
            - Eu entendi o que você quis dizer. – falei. – Construímos a banda juntos, somos amigos desde a infância. Há coisas que são difíceis de mudar.
            Ele ficou parado observando a própria taça de vinho.
            - O que ele fez? – ele perguntou como se quisesse saber como andam as coisas no meu relacionamento com o Alex.
            - Não foi muito legal. Não gosto de falar sobre o assunto.
            Pronto. Acabei de dizer que tínhamos um  problema, Alex e eu. Agora ele sabia que não seria impossível um rompimento.
            Ronan pareceu respeitar o meu momento e, no restante da viagem, falamos sobre amenidades. Acabamos por nos conhecer ainda mais. Detalhes que só com essa convivência podemos descobrir.
            A turnê passou voando. Em menos de um mês estávamos prontos para nos despedir. O último show seria em Londres e, cada vez mais eu sabia que sentiria saudade daquele pessoal. Apesar de artistas, eram pessoas, amigos, profissionais com os quais eu convivera por alguns instantes. Sentiria falta do Ed e suas piadas, do Chris, sempre acolhedor, dos meninos do Strokes cantando e imitando muitos artistas. Rhianna ensaiando seus passos de dança no meio do corredor durante as festas, provavelmente já bicada.
            O show em Londres foi o maior que fizemos. Elton John estava lá e o príncipe Harry apareceu também. Ele é tão feio pessoalmente quanto nas fotos. Mas parece ser legal, apesar de o nosso contato ter se restringido à uma reverência e um “´parabéns pelo seu trabalho e volte sempre à Inglaterra”.
            No dia seguinte haveria uma grande festa dada pelo próprio Harry. Ele gostava de estar no meio das celebridades, já que era um. Era uma festa de gala, com direito a traje formal e tudo. Os meninos preparavam os ternos e eu escolhi um vestido preto, simples.
            Estava arrumando as coisas naquela noite quando a caixinha que Ronan me deu apareceu em meio à bagunça da minha mala. Alex foi mais rápido e pegou o presente antes que eu pudesse reparar no que estava acontecendo.
            - De onde veio isso? – ele perguntou abrindo a caixa, encontrando a pulseira e lendo uma etiqueta que dizia “De Ronan, com carinho.”
            Foi o bastante para a explosão. Alex atirou a caixinha na parede, segurando o presente em suas mãos.
            - Ele mal te conhece e já está dando presentes? O que ele quer? Uma prostituta que fique com ele enquanto a mulher gostosa está viajando? – vociferou.
            Sabia que as coisas desabariam. Não tinha mostrado o presente a Alex porque sabia que ele é explosivo assim.
            Depois de gritar comigo ele saiu do hotel. Fui atrás dele, mas não consegui alcançá-lo. Ele havia pego um táxi e se mandado. Liguei apressadamente para Ronan, mas ele não atendeu. Só me restou uma opção. Ir pro hotel onde Ronan estava hospedado.
            Corri no taxi o mais rápido que pude e, ao chegar lá, ainda pude ver a discussão. Alex empurrou Ronan com força contra as paredes do hotel enquanto dois seguranças seguravam meu namorado para que ele pudesse se acalmar.
            Ronan segurava a pulseira e olhava para Alex como se nunca o tivesse visto na vida. Alex estava descontrolado, nunca o tinha visto assim. Quando apareci, ele pareceu recuperar o controle e falou em um tom de voz mais brando:
            - Fique longe da minha namorada, imbecil.
            Depois disso, fomos embora e Alex não tocou mais no assunto. Parecia estar envergonhado pelo que fizera.
            A noite seguinte demorou a chegar. Alex amanheceu um pouco adoentado. Ao chegarmos em casa, percebi que Ronan lhe deu um soco bem no nariz, o que fez com que Alex ficasse sensível e espirrassa a cada segundo. Não me incomodava, mas não ele não era a melhor companhia do mundo naquele dia.
            Os meninos da banda aprontaram-se e já estávamos saindo do hotel por volta das 18:30. Eu não demorava muito para me arrumar. Como falei, não era muito boa nisso. Naquele dia, tinha ido à um salão para ajeitar as unhas, sobrancelhas e cabelos. Estavam presos em um coque com uma pequena tiara envolta dele. O vestido de seda preto e longo dava o toque formal de que eu precisava. Uma fenda deixava minha perna esquerda à mostra e os saltos finos e delicados me faziam sentir a própria Cinderela. Rodopiei em frente ao espelho. Estava mesmo deslumbrante! Nunca havia me visto daquele jeito. Tinha um estranho brilho em meus olhos. Eu não estava me arrumando para Alex, nem para o príncipe. Era Ronan que eu queria surpreender.
            Coloquei uma maquiagem moderada, para não me destacar demais, já bastava o meu vestido que era um tanto chamativo. Ou eu é que estivesse me sentindo diferente naquele dia.
            Quando pedi para o motorista nos deixar na festa do príncipe, não sabia que seria em um lugar mais afastado de Londres. Fiquei ainda mais impressionada quando paramos em frente de uma enorme, antiga e luxuosa mansão. Eu estava certa, na Inglaterra havia muitas dessas mansões.
            Desci do carro e entrei na casa como se estivesse entrando em um palácio. Era o lugar mais bonito que eu já havia ido. Excetuando os lugares na natureza. Um lustre enorme pendia do teto e logo veio algum empregado para guardar os nossos casacos. Quadros, jarros e um papel de parede vermelho enfeitavam o lugar e eu me perguntava à quanto tempo aquilo existia.
            Harry veio nos receber. Era simpático e brincalhão. Nos fez subir dois lances de escada, até chegarmos no segundo andar, onde estava acontecendo a festa. Já havia muita gente e todos se misturavam. Inúmeros artistas, famosos ou não, celebravam juntos. Percebi que não havia música ao vivo, apesar de um piano magnífico estar posicionado à um canto do salão. Acho que o príncipe quis dar folga para os músicos naquela noite. Um som ao fundo mostrava que músicas aleatórias de vários artistas ali presentes estavam tocando, enquanto todos se divertiam.
            A iluminação era magnífica. Algumas partes do salão estavam À meia luz, outras era o centro da iluminação. O salão era gigantesco e percebi, que com a quantidade de gente que havia ali, eu poderia me perder do restante da banda. Decidi ficar o mais próximo possível dos meninos.
            As coisas iam tranquilas. Vinho e whisky juntavam-se nas mãos dos convidados. Em um dado momento, o príncipe discursou sobre a relevância da festa para a família real. Apesar de ele estar dando a festa em nome da rainha – e de que eu queria muito ver o irmão dele de perto - , não havia outro membro da família real presente.
            Norah Jones começou a cantar ao fundo. Sua voz doce e sexy soava convidativamente para uma dança. Os meninos logo conseguiram suas parceiras e eu e Alex nos juntamos a eles no meio do salão, a parte mais iluminada.
            Então eu o vi. Ronan. Parado em um dos cantos da sala nos observando. Ao perceber que eu o notara, ergueu o copo e sorriu. Retribui o sorriso, torcendo para Alex não perceber. Não acreditava que eles fossem brigar em uma festa da realeza, mas vai saber.
            Nesse momento me senti afundando sem saber o que se passava na minha cabeça. Gostava do Alex. Era meu amigo, companheiro de banda. Mas sentia que o meu coração já não pertencia a ele. E isso há muito tempo. Não sentia por ele o que sentia quando Ronan estava por perto. E quando Ronan estava onge também.
            Depois de algumas poucas músicas, fomos conversar com mais algumas pessoas. Alex estava cada vez mais doente. Pelo menos a turnê tinha acabado. Menos de duas horas depois de chegarmos lá, Alex me chamou para irmos embora.
            - Não quero ir ainda. – respondi nervosamente, tentando disfarçar a ansiedade.
            - Estou me sentindo muito mal. Voltarei pro hotel, pois preciso descansar.
            O baterista se ofereceu para acompanhar Alex. Provavelmente, já estava cansado da festa também.
            - Estou de olho em você. – Alex disse antes de sair e eu sabia que ele se referia ao Ronan.
            Enfim, eu estava sozinha. Os outros meninos da banda ainda estavam na festa, mas o salão era tão grande que não nos encontraríamos tão cedo. Aquela solidão me fez bem. Esperava por ela desde o início da noite.
            Alguns minutos se passaram quando ouvi uma música conhecida começar a tocar. Era a vez do Ronan Keating no rádio da realeza. Achei impressionante como eu conhecia aparentemente todas as músicas dele que se apresentaram para mim desde que nos conhecemos.
            Brigther Days soou em seus primeiros acordes e já foi o suficiente para eu perceber que era o Ronan. Não daria certo. O que eu estava pensando? Eu deveria ter saído com o Alex. Provavelmente, depois daquela noite, nunca mais nos veríamos e tudo voltaria a ser como antes. Estava em meus devaneios quando um álito quente soprou em minha orelha direita dizendo:
            - Você dança músicas românticas?
            Me virei rapidamente e sorri. Era Ronan e estava me convidando para dançar!
            - Não com estranhos ou maníacos. Ou ainda fanáticos religiosos.
            Ele sorriu já me pegando pelo braço e me levando para o meio do salão, onde muitas pessoas dançavam.
            - Então, posso interpretar que sim. Não me encaixo em nenhum desses casos, embora pela manhã eu sempre confira as previsões para o meu signo.
            Eu ri. Ele estava bonito. Seu terno negro com algumas listas discretas brancas mostrava seu charme e elegância. Seu perfume me fez querer não me distanciar nunca mais.
            - Você está muito linda. – ele falou me afastando um pouco para olhar para mim. Abaixei os olhos, meio sem graça, meio observando como as coxas dele pareciam atraentes embaixo da calça.
            Nos abraçamos e ficamos dançando no ritmo da música. Lento, aconchegante. À medida que a música se desenrolava, Ronan me apertava cada vez mais contra o seu corpo. Eu sentia sua respiração em meu pescoço. Seu abraço era maravilhoso.
            - Eu queria chegar mais perto de você. – ele disse, me fazendo arrepiar, tão próximo a sua boca estava da minha orelha. Sua voz grave, rouca, como se apenas eu e ele existíssemos ali.
            - O quão perto? – eu quis saber.
            Ele não respondeu. Apenas tirou a mão esquerda da minha cintura e levou-a de encontro à minha mão direita. Entrelaçamos os dedos, ainda concentrados um no outro. Ele me olhou fixamente, daquele jeito que costumava fazer. Hipnotizante.
            Levei minha mão esquerda para o seu pescoço e dançamos mais um pouco. Aquela música parece que terminaria num instante.
            - Sabe o que é estranho? – eu falei, brincando.
            - O que? – ele respondeu olhando em meus olhos.
            -  Dançar com o cara que está cantando a música. – sorri.
            - E beijar o cara que está cantando a música? – ele foi direto.
            Por uns instantes eu não sabia o que fazer. Foi tudo muito rápido. Ronan me pegou pela mão e me levou apressadamente até a varanda do salão. Onde as luzes eram mais fracas e não havia ninguém. Eu não havia reparado naquele lugar, parecia um tanto escondido, mas tinha uma ótima vista do jardim.
            Como quem estava esperando por aquele momento, ele, ainda com os olhos dos meus e com a maior seriedade que eu já tinha visto desde que nos conhecemos, me empurrou de encontro ao parapeito da sacada e pude sentir suas mãos percorrendo o meu corpo, prenunciando um beijo que me deixou completamente sufocada. Intenso e cheio de significados, o beijo só deixou transparecer o quanto estávamos ansiosos por aquele momento.
            Ronan colocou as mãos em volta do meu rosto, como se quizesse que sua lingua entrasse ainda mais. Suas mãos fortes me passavam a sensação de segurança e, por aqueles segundos, eu não senti mais nada, a não ser sua boca quente e forte invadindo meus lábios.
            Quando o momento acabou, eu ainda ansiava por mais. Percebi que estávamos tremendo, como se o desejo estivesse nos consumindo. Ronan abraçou-me mais forte e suspirou, parecendo acalmar-se. Me envolveu em seus braços de uma forma terna e me senti em casa pela primeira vez em muito tempo.
            Suavemente, encostou o seu nariz perto do meu e, fazendo carícias com seu nariz, beijou-me, desta vez com mais suavidade. Um beijo brando, sereno. Ficamos entre beijos picantes e beijos romanticos por uma hora quase. As coisas esquentaram também. Sua mão subia pela fenda em meu vestido e eu sabia que ele queria tirá-lo. Minhas mãos entraram em seu terno e eu segurava com força seus braços contra o meu corpo.
            - Temos que parar com isso. – falei, quebrando o clima. Porque eu tinha que ter feito aquilo?
            Os outros integrantes da minha banda ainda estavam na festa e eu não podia arriscar. Além do mais, Ronan era casado. Seria um escândalo se algum fotógrafo o visse desse jeito. Não valia a pena sacrificar tudo por uma noite. Afinal, depois não nos veríamos mais. Pensar nisso me dava um aperto no peito.
            Ele afastou-se e piscou os olhos como quem acorda de um sono profundo. Eu não podia culpar o álcool dessa vez. Estávamos muito sóbrios. Exceto pelo perfume dele que me deixava louca.
            - Perto assim. – ele disse, respondendo a minha pergunta anterior. – Penso em você desde quando nos encontramos no meu camarim à muitas semanas atrás.
            Meu coração acelerou. Eu também pensava nele desde aquele dia.
            - Você sabe que não podemos fazer isso. – falei ofegante. – Depois de hoje não nos veremos mais.
            Ele pareceu um pouco triste.
            - Não posso ficar sem ver você. – falou e pude sentir uma onda de sentimentos misturados vindo à tona. – Posso dar um jeito nisso.
            - Não me refiro apenas a isso. Você sabe. Temos pessoas que contam com a gente. – ele sabia que eu falava da esposa dele e de Alex.
            - Sei disso. E sei também o que sinto quando estamos juntos. No início achei que era apenas uma amizade, mas percebi que algo nos conecta. Não consigo entender, mas quando estou longe penso em você o tempo todo.
            Senti uma ponta de felicidade. Então eu não estava ficando louca. Ele realmente estava flertando comigo aquele tempo todo.
            Ele se aproximou e me beijou de leve, entrelaçando suas mãos nas minhas.
            - Seu coração está batendo forte. – comentou. E estava, tão forte que eu podia apostar que ele ouvia. – O que você sente, Julia?
            Respirei fundo. Agora era a minha vez. Eu queria que ele soubesse, não importava onde eu iria me meter com tudo aquilo.
            - Sinto que se eu deixar você aqui e voltar pro Brasil vou perder uma pessoa muito importante para mim. Sinto que penso em você o tempo todo, até pensei que estava ficando maluca. Sinto que estive morrendo de ciúmes da sua esposa quando ela estava entre nós.
            - Bom, isso é recíproco. Ou você acha que é fácil ver você e o seu namorado juntos o tempo todo. Bancando o casal mais feliz do mundo no palco. Muitas noites fui dormir imaginando o que vocês estavam fazendo juntos.
            Suspirei. Estávamos em uma situação difícil.
            - Apesar de tudo, não conseguirei esquecer essa noite. – ele falou suave e docemente, como se quizesse que durasse para sempre.
            - Também não irei esquecer. Mas temos que nos afastar agora. É muito arriscado. – falei me distanciando de seus braços. Aquilo me custou muita força.
            - Não sei como serão os meus dias se você não estiver mais aqui, Julia. Preciso estar com você, saber se vai ficar bem. Não consigo imaginar como vai ser amanhã.
            Ronan levou a mão esquerda ao bolso da calça e tirou de lá a minha pulseirinha de prata. Intacta da briga, pronta para selar o que tínhamos vivido. Ele sabia que iria me encontrar. Sorri, peguei a pulseira como se fosse um tesouro e coloquei no pulso. Não podia encontrar com Alex usando aquela pulseira, mas, por ora, estava tudo bem.
            - Tenho que encontrar você antes de partir. Amanhã. Se pudesse, não deixaria você voltar para casa. – ele se aproximou novamente, por mais que eu tentasse me manter afastada.
            - Não sei que horas saímos amanhã. Ligo pra você. – prometi.
            Ele assentiu. Com um suspiro, falou:
            - Parece que ficaremos por aqui, hoje.
            Eu concordei. Já era hora de voltar para a festa. Os meninos podiam já ter dado pela minha falta.
            Ronan me abraçou fortemente e me deu um último beijo intenso antes de voltarmos para a festa. Casa um para um lado, mas com os olhos grudados um no outro.
            Não demorou muito para Greg aparecer e me chamar para irmos embora. A festa já estava no final. Aparentemente, ninguém havia percebido. Eu só precisava esconder a pulseira antes de chegar em casa.
            Saímos da mansão em direção ao carro, olhei fixamente para a varanda e percebi que o Ronan tinha ido até lá para me ver partir. Um sorriso bobo e gigantesco enfeitava seu rosto e ele erguia o copo de whisky para mim, como sempre costumava me cumprimentar. Assenti de leve com a cabeça e deixei um sorriso discreto escapar. Tive certeza de que o Ronan viu, pois ele jogou o rosto para trás em uma gargalhada. Eu não podia dar muita bandeira. Seria assim, daqui por diante.
            Entrei no carro e voltamos pro hotel. Uma sensação de paz e tranquilidade me tomou o corpo e a alma. Havia sido uma grande noite, realmente. Agora eu ansiava pelo dia seguinte.